Encantado no meio do povo: a presença do Profeta São João Maria em Santa Catarina

30/04/2020 11:40

O livro de Tânia Welter vai interessar a vários leitores. Sua prosa leve e fluente nos estimula à leitura e à reflexão ao levar-nos através de um universo contemporâneo em que a religiosidade vinculada a uma figura santa perpassa classes sociais, religiões e etnias. Estimulada por sua própria vivência como pesquisadora e professora, Tânia Welter chega à figura de João Maria sem se deter numa exploração histórica do monge João Maria e da Guerra do Contestado, tema tão amplamente tratado por vários pesquisadores. Antes, explora a contemporaneidade do universo das relações sociais que chama de “joanino”: o universo hoje dos devotos do monge João Maria. Dialoga, no entanto, com historiadores e antropólogos que tem se dedicado ao tema.
Sem descuidar de uma metodologia apropriada, mostrando ao
leitor seu processo de produção, o texto não se faz num jargão acadêmico restrito. No entanto, o leitor será conduzido às reflexões teóricas e delas desfrutará se assim escolher. Começa aqui a manifestação do respeito da autora com aqueles que se envolvem ou envolveram em seu trabalho. Ao construir a designação joanino para seu universo de pesquisa, Welter não está construindo um tipo ideal. Joanino é, antes, um dispositivo de interpretação que possibilita mostrar características de um universo multifacetado o que, em consequência, permite conhecer a amplitude do valor social e cultural da figura do monge até hoje, passados mais de 100 anos de sua morte. Esta amplitude corresponde a uma gama de “apropriações” da figura do monge em rituais que se propagam independentemente da pertença religiosa das pessoas e na definição de lugares santificados por ele. A progressiva e relativamente rápida introdução das igrejas pentecostais num universo primordialmente católico não fez regredir a devoção ao monge nem os rituais a ele relacionados.
A abordagem de Welter se contrapõe à folclorização do monge e do episódio histórico de sua origem – a Guerra do Contestado (1912-16). Tratada pelas pessoas do universo joanino como Guerra Santa, é este o fato histórico a que a memória de João Maria remete. Welter trata também com um respeito profundo as populações com quem conviveu
durante seu longo e extenso trabalho de pesquisa. O trabalho de pesquisa é um ponto alto deste livro, não só pela extensão do campo coberto mas pelo cuidado com que os registros foram feitos e organizados. É digno de nota o mérito de pesquisadora de Tânia Welter que imergiu no seu campo sem perder a perspectiva da meta de seu trabalho.
Ela mostra, então, como João Maria é ainda a figura que justifica estruturações familiares e sociais e até, em certos casos, conduz ao empoderamento feminino. Mostra como os elementos que constituem a santidade de João Maria desvendam um universo de valores sociais que perpassam classes, etnias e pertenças religiosas. Mostra como sua
santificação pelas pessoas e famílias conduz a uma identificação com a natureza ao associar o monge com águas limpas e campos férteis, e que a perspectiva do fim do mundo está presente em muitas formulações de João Maria como profeta. Mostra, ainda, que João Maria é um fator de agregação nas lutas campesinas e que tanto o poder político como o poder eclesiástico se apropriam da figura do monge de formas e em ocasiões específicas.
O livro encerra com um denso capítulo de reflexões teóricas que respondem pelo competente tratamento do material de campo. Por outro lado, são um estimulo ao nascimento de novas questões e perguntas a serem respondidas por outras pesquisas no campo das religiosidades. Neste livro, para além do dito, o propósito de incitar perguntas foi plenamente cumprido. Boas respostas conduzem a novas perguntas.

Apresentação do livro por Maria Amélia Schmidt Dickie.

Referência

WELTER, Tânia. Encantado no meio do povo: a presença do Profeta São João Maria em Santa Catarina. Sao Bonifacio: Edições do Instituto Egon Schaden, 2018.

IMIGRAÇÃO JAPONESA AO BRASIL

16/04/2020 12:11

A história se inicia no ano de 1888, quando a princesa Isabel decreta a Lei Áurea, abolindo a escravidão no Brasil. A produção de café neste período era a grande economia do Brasil e principalmente em São Paulo, porém as fazendas funcionavam com mão de obra escrava e com a abolição da escravidão surgiu por parte dos fazendeiros a ideia e a necessidade de trazer mão de obra de imigrantes.

No mesmo período, o Japão estava isolado no resto do mundo por um período de mais de 200 anos durante a dinastia EDO, governado pela família Tokogawa, não havendo guerras, epidemias e emigrantes. O problema do Japão foi que, sendo um arquipélago, logo ficaria saturado por uma superpopulação e foi o que aconteceu no final do século XIX. Com a abertura de suas fronteiras para o comércio exterior, muitos agricultores sofreram com o desemprego devido à mecanização da agricultura, outros perderam suas terras, pois não conseguiram mais pagar os impostos que passaram a ser cobrados em dinheiro e não mais por parte de suas produções, então migravam para cidades grandes que acabavam ficando saturadas de trabalhadores miseráveis. 

O problema é que antes no Brasil só era permitida migração dos cidadãos europeus, pois devido ao preconceito, a ideia era de ‘‘branquear a população’’. Apenas em 1890 o presidente Deodoro da Fonseca assinou um decreto que permitia a imigração de pessoas da África e da Ásia, mas apenas com permissão do congresso. Já em 1892 foi aprovada a lei nº 97 que permitia este processo sem restrições. 

Apesar do início do planejamento sobre a imigração entre os dois países, em 1897 ocorreu uma crise com a superprodução de café e o preço baixou muito, voltando a se recuperar apenas em 1901 e o Brasil voltou a incentivar a imigração de japoneses para trabalharem nas fazendas de café. No ano de 1905 o ministro do Japão Fukashi Sugimura, realizou uma visita até o Brasil para escrever um relatório para as autoridades japonesas, o ministro foi bem recebido e acolhido e desta forma relatou sobre o país de forma positiva. Assim se iniciaram as preparações para a vinda do primeiro navio com imigrantes japoneses que chegou ao Brasil no navio Kasato Maru, no dia 18 de junho de 1908 no porto de Santos trazendo consigo 781 japoneses. 

Porém, a chegada ao Brasil não foi como esperado pelos imigrantes, isso porque apesar de ter um acordo de negociação entre os dois governos para imigração, o agenciamento de mão de obra era realizado por empresas privadas que vivem baseadas nos lucros. A propaganda brasileira para incentivar os imigrantes foi que o café era fácil de colher com as mãos, era a ‘‘árvore que dava ouro’’ devido a grande produtividade e que os contratadores dariam moradia, porém sem especificar as condições de moradia, pois precisavam fazer com que fosse atraente para os japoneses. Então, logo viram que não enriqueceriam tão cedo para voltarem ao seu país de origem, outra dificuldade foi a adaptação com o clima, hábitos alimentares e o modo de vida em geral, além do preconceito.

Porém, depois de anos, algumas famílias acabaram conseguindo economizar o suficiente para comprar suas primeiras terras aqui, além disso, os contratos de imigração eram feitos em família ou seja os japoneses não poderiam vir para cá solteiros ou sozinhos era necessário vir em casais e com filhos. Estes fatores acabaram perpetuando a estadia dos Japoneses no Brasil.

A primeira impressão dos brasileiros para os japoneses, apesar do preconceito, foi bastante surpreendente, isso por terem vindo os japoneses de classes sociais mais baixas para cá e os brasileiros julgavam que seriam pessoas sujas e miseráveis e quando chegaram aqui até mesmo as classes mais baixas de japoneses eram extremamente limpos, organizados e educados.

Inclusive alguns trouxeram caneta e papel o que naquela época era considerado luxo para um trabalhador braçal. Apesar de todos terem dignidade educação, o preconceito ainda existia na maior parte da população e na mídia falavam mal do governo que quis trazê-los.

Devido ao isolamento no meio rural para trabalhar nas fazendas, viviam mais ou menos como viviam em seu país de origem, formaram comunidades por aqui com escola japonesa para seus filhos e continuaram falando japonês, muitos nem sequer chegaram a aprender a língua portuguesa enquanto moravam aqui. Depois do Kasato Maru, outros diversos navios vieram ao Brasil trazendo milhares de imigrantes que posteriormente se dispersaram por vários estados do país formando colônias e disseminando a cultura de seus povos.

Referências:

FREITAS, Eduardo de. Imigração japonesa no Brasil. Mundo Educação, 2018. Disponível em: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/imigracao-japonesano-brasil.htm>. Acesso em: 22 mar. 2020.

KAWANAMI, Silvia. Imigração japonesa no Brasil. Japão em Foco, 2008. Disponível em: <https://www.japaoemfoco.com/imigracao-japonesa-no-brasil/>. Acesso em: 16 abr. 2020.

Texto por Alexandre Lima de Oliveira

A Guerra do Contestado: Maior Guerra Civil Brasileira

15/04/2020 16:10

A Guerra do Contestado foi um conflito armado entre os camponeses e o Exército dos estados de Santa Catarina e Paraná – região esta que não possuía as delimitações de fronteiras bem definidas, por isso o nome Contestado – entre 1912 e 1916. A construção da estrada de ferro pela empresa norte americana Brazil Railway, que ligava a cidade de São Paulo à Santa Maria, no Rio Grande do Sul, é considerada pelos pesquisadores como um dos maiores motivos do conflito. 

Juntamente à concessão para a construção da estrada, a Brazil Railway Company, criada por Percival Farquhar em 1906, passou a possuir 15 quilômetros de faixa de terra de cada lado da rodovia.Tal concessão expulsou das suas terras milhares de caboclos que não teriam mais de onde tirar sua subsistência. O grande complexo, além de atuar no ramo ferroviário, promoveu o desmatamento da região para uso em madeireiras.

Os moradores originais da região, que perderam suas terras, revoltaram-se. Destruíram estações ferroviárias, queimaram a madeireira da Lumber, a qual fazia parte da Companhia, e atacaram os coronéis, que representavam o estado. A Guerra deixou, aproximadamente, 8 mil mortos, em sua maioria camponeses pobres da região do Contestado.

O Mapa a seguir apresenta o Estado de Santa Catarina e o caminho percorrido pela ferrovia em pontilhado, com as cidades da região em destaque.

Fonte: DIACON, Todd A. Millenarian vision, capitalist reality – Brazil’s Contestado Rebelion, 1912-1916. 4 ed., Durham and London: Duke University Press, 2002. p. 47. 

Referência:

VALENTINI, Delmir José. Atividades da Brazil Railway Company no sul do Brasil: A instalação da Lumber e a Guerra na região do Contestado (1906-1916). PUCRS. Porto Alegre, 2009. Disponível em: <http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/2277>. Acesso em: 15 abr. 2020.

Texto por Karen Wesseler Jung.

 

Monge João Maria – importante figura da Guerra do Contestado

06/04/2020 15:47

Chega em 1851 na região do contestado (antiga Vila de Curitibanos), o monge João Maria D’Agostin, curandeiro, eremita, alquimista, profeta, místico e profundo conhecedor das ciências ocultas. Tal figura enigmática realizou o caminho dos tropeiros até chegar ao sul do país, ficando conhecido como figura messiânica. O momento histórico que o país vivia, com a chegada dos imigrantes europeus em terras já ocupadas pela população nativa, fez com que este povo empobrecido se sentisse abandonado pelas autoridades. A presença do monge era vista como referência religiosa por essa populações relativamente isoladas.

Muitos autores sugerem que outro João Maria teria surgido entre 1886 e 1893, e que as figuras que são conhecidas até hoje do monge teriam sido feitas dele. A história tem muitas variantes, mas a linha principal é de que o profeta teria tido um sonho, de que deveria sair pelo mundo penitenciando-se e pregando. O início do Movimento do Contestado nesse mesmo período, numa luta contra o poder econômico e político, utilizou o nome do monge João Maria como símbolo do movimento. Se foi um padre, ou muitos conhecidos pelo mesmo nome que colaboraram para a visão da imortalidade e reencarnação do monge, o fato é de que sua figura atrai peregrinos até os dias de hoje. 

Devido a pandemia de covid-19, em que se faz necessário o isolamento social, as incertezas e medos permeiam as mentes dos moradores da região do Contestado. No entanto, imagens do monge João Maria circulam pelas redes sociais, trazendo conforto para aqueles que creem no santo e oram para ele. A figura do “O monge que cura”, como em 1912, traz novamente conforto para a população que passa por dificuldades. O retrato compartilhado em um grupo do Facebook da cidade de Curitibanos recebeu mais de 500 curtidas e uma centena de comentários dos seus fiéis. Como exemplo, comentários como o de Rozana Lima*, que pede: “Protegei-nos São João Maria” são os mais comuns. A crença no monge permanece viva na memória dos moradores da região e se manifesta, principalmente, nos momentos de adversidade.

*Comentário de uma cidadã no post “João Maria o monge que cura” retirado da página Mercadão de Curitibanos no Facebook.

Figura do Monge João Maria compartilhada no grupo do Facebook.

Fonte: Post realizado no grupo privado Mercadão de Curitibanos no Facebook disponível em: <https://www.facebook.com/groups/638473372930818/for_sale_search/?forsalesearchtype=all&query=monge&referral_surface=direct_link&availability=available>.

O Monumento ao Monge João Maria, construído no período de 1983 a 1989 na cidade de Curitibanos/SC, recebe devotos e religiosos, que vem buscar a bênção do santo. A figura, que trouxe esperança e inspiração ao movimento dos camponeses, ainda é cultuado e mantém sua importância imortalizada no imaginário popular dos moradores do Vale do Contestado.

Monumento ao Monge João Maria, no bairro de Água Santo no município de Curitibanos/SC. Fotografia tirada por Daniel Granada, coordenador do projeto.

Imagem do Monge João Maria presente no monumento. Fotografia tirada por Daniel Granada, coordenador do projeto.

Referências

WELTER, Tania. O Profeta João Maria continua encantando no meio do Povo: Um estudo sobre os discursos contemporâneos a respeito de João Maria em Santa Catarina. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2007. Disponível em: <https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/imagens/dossies/contestado/trabalhos/WELTERTania.pdf>. Acesso em: 06 abr. 2020.

MONUMENTO ao monge João Maria. Alma Cabocla Proposta de Desenvolvimento Turístico Cultural. Blogger. Curitibanos, 2014. Disponível em: <http://contestadoalmacabocla.blogspot.com/2014/10/monumento-ao-monge-joao-maria.html>. Acesso em: 06 abr. 2020.

Texto por Karen Wesseler Jung.

Novo Vale dos Imigrantes gera críticas dos pesquisadores

01/04/2020 15:21

A Guerra do Contestado (1912-1916), que colocou de lados opostos os camponeses e o Governo Federal da época, ocorreu no antigo vale do Contestado. A memória da guerra encontra-se preservada em museus, monumentos, sítios históricos e espaços de peregrinação religiosa em vários municípios do vale do Contestado. A região histórica construída pela presença dos imigrantes alemães, italianos e japoneses, além dos caboclos e negros que já habitam a região, é hoje um destino turístico muito procurado no Brasil.

No dia quatro de julho de 2019, foi proferida a decisão pela Instância do Governo Regional do Vale do Contestado que mudou o nome da região turística para Vale do Imigrante,  que será composto por 25 municípios, entre eles as cidades de Itaiópolis, Mafra, Major Vieira e Porto União. O desmembramento do Vale do Contestado já foi reconhecido pelo Ministério do Turismo e faz parte da 13° região turística de Santa Catarina, sendo publicado do Mapa do Turismo Brasileiro 2019. 

Tal decisão polêmica, tomada sem a consulta com os acadêmicos e historiadores da Instituição da Memória da região, não foi bem recebida pela maior parte da população e uma denúncia de ausência de debates sobre a substituição foi levada ao Ministério Público e Assembleia Legislativa. De acordo com o professor Nilson Cesar Fraga, que estuda a região e a Guerra do Contestado há 25 anos, a mudança é um “atentado contra a formação do povo catarinense”. A história e efeitos que a Guerra do Contestado teve sobre a região, e a presença dos negros e caboclos têm sua importância negada em favor da valorização da colonização europeia.

Tal decisão polêmica, tomada sem a consulta com os acadêmicos e historiadores da Instituição da Memória da região, não foi bem recebida pela maior parte da população. A história e efeitos que a Guerra do Contestado teve sobre a região, e a presença dos negros e caboclos têm sua importância negada em favor da valorização da colonização europeia. A Instância Governamental justificou sua decisão em ata como uma melhor forma de apresentação da região para o roteiro turístico. 

A Instância Governamental justificou sua decisão em ata como uma melhor forma de apresentação da região para o roteiro turístico, tentando tornar o Vale do Imigrante um projeto turístico que lembra as cidades gaúchas de Gramado e Canela.  Para o pesquisador Paulo Pinheiro Machado, professor de História da Universidade Federal de Santa Catarina, tentar imitar um modelo de sucesso, negando a identidade da região é um desrespeito pela nossa história e não há justificativa econômica que permita esse feito.

Já para a presidente da IGR Caminhos do Contestado, Viviane Bueno, o desmembramento vai ajudar a desenvolver a região, que é uma das mais empobrecidas de Santa Catarina. Justifica que cidades como Piratuba, com muito mais infraestrutura, estavam classificadas na mesma região que municípios que não tinham capacidade de atender visitantes.

Referências:

BASTOS, Ângela. Mudança do nome e perda de área do Vale do Contestado geram críticas de pesquisadores. NCS Total notícias, 2019. Disponível em: <https://www.nsctotal.com.br/noticias/mudanca-do-nome-e-perda-de-area-do-vale-do-contestado-geram-criticas-de-pesquisadores>. Acesso em: 23 de março de 2020.
MACHADO, Paulo Pinheiro. Em defesa da Memória, da Justiça e da Cidadania das populações do Contestado. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2019. Disponível em: <https://paulopinheiro.paginas.ufsc.br/2019/11/>. Acesso em: < 23 de março de 2020.

Texto por Francine Soares de Almeida e Karen Wesseler Jung.